Batalha da cidade de Huê Em 1968, foram travados em Huê alguns dos mais violentos combates a curta distância da Guerra do Vietnã. A cidade, que fora capital imperial de Anã durante séculos, situava-se a meio caminho entre Da Nang e a 75km da Zona Desmilitarizada (ZD). Era a terceira cidade do Vietnã do Sul, com população de 100.000 habitantes e número indeterminado de refugiados de guerra. Dois terços de seus moradores viviam na área delimitada pela grande muralha da Cidade Velha, ou Cidadela, como os franceses costumavam chamá-Ia. Essa muralha, de formato retangular, tiinha 3 km de extensão, no sentido do comprimento maior. Fossos compostos por vários canais circundavam a cidade com exceção do muro sudeste, que acompanhava o Song Huong, ou rio dos Perfumes. O mar encontrava-se a 10 km de distância, mas não era navegável por embarcações oceânicas. Ao sul do rio situava-se a Cidade Nova, ligada à Cidadela pela ponte de Nguyen Hoang. Até a ofensiva do Tet, considerou-se a secular cidade uma espécie de zona neutra, respeitada por ambas as partes envolvidas no conflito. A presença americana restringia-se a um número considerável de civis e aos consultores militares junto à 1ª Divisão do Exército sul-vietnamita (ESV), abrigados na Vila do Comando de Assistência Militar ao Vietnã (CAMV), na Cidade Nova. A base de combate americana mais próxima situava-se em Phu Bai, a 16 km a sudeste de Huê. A Força Especial Raio X, que nela operava, estava desfalcada em seus efetivos. Quando completa, contava com dois regimentos de fuzileiros navais do USMC, o 1º e o 5º. No dia da ofensiva, reunia apenas os quartéis-generais desses regimentos e três batalhões incompletos. Seu comandante, o brigadeiro-general Foster Lahue, fora fuzileiro naval na Segunda Guerra Mundial e comandante de batalhão na Guerra da Coréia. Com uma força de menos de 4.000 fuzileiros navais, Lahue recebera a missão de manter a Rota 1 desimpedida, do desfiladeiro de Hai Van até Huê. Cabia-lhe também assegurar a defesa de Phu Bai e barrar quaisquer tropas que se dirigissem a Huê pelo oeste. A defesa de Huê propriamente dita não era de sua responsabilidade. A 1ª Divisão do ESV, sediada na Cidadela, tinha a reputação de ser uma das melhores do país. Seu comandante, o brigadeiro-general Ngo Quang Truong, era altamente qualificado. Mas os doze batalhões de sua divisão encontravam-se distribuídos ao longo da Rota 1, de Huê até a fronteira ao norte, desempenhando missões de pacificação e de defesa da região. O batalhão mais próximo encontrava-se a 8 km de distância, ao norte de Huê, no quartel-general do 3º Regimento. Nas instalações de seu próprio quartel-general, Truong contava apenas com os oficiais e com a companhia de reação de elite e da divisão, denominada Hoc Bao, ou Panteras Negras. A cidade estava, portanto, quase desguarnecida.
O ataque
O ataque das forças comunistas
iniciou-se com uma barragem de foguetes e morteiros, às 03:40h de 31 de
janeiro de 1968. Dois batalhões de infantaria pertencentes ao 6º Regimento
do ENV, junto com o 12º Batalhão de Sapadores, tentaram chegar a Huê,
vindos do sudoeste da cidade. Tropas norte-vietnamitas
e vietcongs, no total
aproximado de uma divisão, atacaram o aeroporto de Tay Loc e o
quartel-general da 1ª Divisão do Exército da República do Vietnã do Sul na
Cidadela (atacado pelo 802º Batalhão do ENV e defendido pelos oficiais
sul-vietnamitas), além de penetrarem na Cidade Nova, a parte de Huê ao sul
do rio Hương . Ao mesmo tempo, outras unidades comunistas atacaram ao
norte, na margem oeste do rio, em direção ao complexo de Mang Cu, do
aeroporto (atacado pelo 800º Batalhão do ENV) e do palácio
imperial. Simultaneamente, outro regimento atacava o quartel-general da
assistência militar norte-americana - CAMV em Hué, na parte sul da cidade. Reação aliada Ao norte do rio, o brigadeiro-general Truong ordenou a seu 3º Regimento, reforçado por dois batalhões de soldados transportados por via aérea e uma tropa de cavalaria blindada, que abrisse caminho em direção à cidade. Essas forças tinham chegado ao quartel-general no dia 31 de janeiro. Iniciaram no dia seguinte o ataque contra o eixo diagonal sudeste.
Atendendo aos pedidos de reforço do general Truong, comandando as forças
enclausuradas na Cidadela, no dia 1º de fevereiro tropas sul-vietnamitas
aquarteladas na base da divisão, 17 km ao norte de Huê, dirigiram-se em
comboio para a cidade, mas foram obrigadas a parar e se entrincheirar 400m
antes da entrada dos portões, pela resistência dos ocupantes norte-vietnamitas. Apenas no dia seguinte, um novo regimento
sul-vietnamita, O 3º Regimento, reforçado por dois batalhões de
soldados transportados por via aérea e uma tropa de cavalaria blindada, conseguiu penetrar na cidadela
ocupada, tendo pesadas baixas de 131 homens e 12 carros de combate.
Soldados da Divisão Aerotransportada sul-vietnamita (ARVN Airborne Division) durante combates urbanos em Huê em 1968. Na mesma madrugada em que as forças norte-vietnamitas atacaram Huê, foguetes e granadas de morteiros também começaram a cair na pista do aeroporto de Phu Bai, defendida pelos americanos, e unidades de infantaria do exército norte-vietnamita atacaram pelotões de fuzileiros no rio Truoi e no setor de Phu Loc. Mesmo com esses ataques o brigadeiro-general Lahue sabia muito pouco a respeito da situação em Huê. A situação percebida era apenas que as forças do general Truong e o complexo de assistência norte-americana se achavam sob ataque comunista. A missão de Lahue a principio era proteger a base aérea de Phu Bai, a estrada Highway One e as entradas da parte oeste. Lahue recebera comunicados informando-o de danos efetuados na Rota 1 e em suas pontes e, de "alguns problemas" no complexo do CAMV. As 08h30, uma companhia de fuzileiros navais enviada por Lahue para fazer um reconhecimento na estrada foi atacada por intenso fogo de armas automáticas e de pequeno porte. Fuzileiros navais do 1º Batalhão, liderados pelo tenente coronel Marcus Gravel, rumaram para Huê.
À medida que os marines se aproximavam dos subúrbios sul da cidade, passaram a ser atacados constantemente por fogo de franco-atiradores. Numa vila próxima foram obrigados a revistar casa por casa à procura de inimigos e em outras o comboio foi obrigado a enfrentar tiroteios nas ruas antes de prosseguir para Huê. Apenas no meio da tarde o reforço de fuzileiros conseguiu chegar ao complexo americano, quando as forças inimigas recuaram para os arredores. Tentando cruzar a ponte sobre o rio Hương , a coluna de marines, reforçada de três tanques M48 muito pesados para a estrutura da ponte e alguns tanques leves sul-vietnamitas, cujos tripulantes se recusaram a prosseguir pela escassa blindagem, foi recebida a fogo de metralhadora que matou e feriu vários fuzileiros, preferindo se retirar. A retirada foi difícil de ser feita, porque os norte-vietnamitas, bem entrincheirados nos edifícios de Huê próximos à ponte e atirando praticamente de cada um deles, feriram e mataram diversos fuzileiros, que usaram os veículos civis abandonados como ambulância para seus feridos. A noite, por volta das 20:00h, os marines enviados a Huê viram-se resignados a uma posição defensiva apenas ao redor do complexo de assistência norte-americana, no sul da cidade. No fim das operações do dia, as baixas entre os marines eram contadas em 10 mortos e 56 feridos e o comando americano no Vietnã ainda tinha pouca noção da situação em Huê. Mesmo assim a situação na Cidade Nova não era tão catastrófica quanto parecera no primeiro momento. A defesa contra as forças comunistas era mantida por focos de resistência isolados. Na maior parte constituídos por unidades da Força Regional e da Força Popular. A estação de transmissão de rádio e a rampa de desembarque de veículos anfíbios ainda se encontravam nas mãos das forças aliadas. No dia 1º de fevereiro, GraveI recebeu ordens de atacar em direção à sede do quartel-general da província, mas encontrou forte resistência. Com os contingentes de Truong ocupados na Cidadela, o tenente-general Huong Xuan Lam, comandante do 1ª Corpo do ESV, pediu aos americanos que se responsabilizassem pela libertação da Cidade Nova. No dia 2 de fevereiro, a 1ª Divisão de Cavalaria Aerotransportada americana entrou em ação, sob as mais desfavoráveis condições climáticas - a monção do nordeste encontrava-se no auge, levando à região chuvas e neblina.
O contra-ataque Para auxiliá-lo, foi enviado à Cidade Nova o coronel Stanley Hughes, herói da Segunda Guerra Mundial. Hughes trouxe consigo o tenente-coronel Emest Cheatham, comandante de um batalhão de fuzileiros navais. Assumiu o comando da batalha ao sul do rio, com os batalhões de Gravei e de Cheatham. No dia 3 de fevereiro os sul-vietnamitas, lograram um grande sucesso, conseguindo retomar o aeroporto de Tay Loc, apesar de continuarem sem conseguir entrar na cidade, pela resistência dos ocupantes em seus portões. Como mais reforços americanos e sul-vietnamitas começaram então a chegar a Huê, o contra-ataque dos fuzileiros navais teve início no dia 4 de fevereiro, tentando cortar as linhas de suprimento norte-vietnamita ao norte, e a batalha se tornou uma guerra urbana por mais de um mês. O inimigo convertera os grandes edifícios do governo em pontos fortes de resistência, com franco-atiradores nos andares superiores, metralhadoras no térreo e morteiros em posições dissimuladas.
Durante três
semanas, as tropas aliadas enfrentaram grande resistência em seu caminho
por dentro da cidade; atuando juntos, batalhões de fuzileiros e dos
exércitos dos EUA e do Vietnã do Sul, entraram em combate quarteirão por
quarteirão da cidade imperial ocupada, aos poucos, causando o recuo dos
comunistas. As melhores armas do inimigo eram o fuzil automático AK-47 e os lançadores de foguetes. Já os fuzileiros navais americanos estavam armados com fuzis M16, considerados inferiores aos AK-47 projetados pelos soviéticos. Dispunham ainda de lançadores de granadas M79, de 40 mm, e metralhadoras M60. Granadas e gás lacrimogêneo eram usados para obrigar os soldados das forças comunistas a abandonar seu refúgio. Para abrir caminho através de paredes, os americanos utilizaram canhões de 90 mm adaptados aos carros de combate M48 A3, ou canhões sem recuo de 106 mm, alguns deles acoplados, em baterias de seis, a veículos Ontos sobre lagartas. Os suprimentos necessários às tropas combatentes chegavam por meio de helicópteros ou veículos anfíbios, já que as forças comunistas haviam destruído a ponte sobre o canal de Phu Cam.
Combates de rua no dia 4 de fevereiro de 1968. Marines se protegem do fogo de franco-atiradores, enquanto solicitam apoio aéreo e respondem com fogo de metralhadoras M60 e fuzis de assalto M16 Para os fuzileiros navais, os combates obedeciam a esta rotina: todas as manhãs, os ataques eram desfechados às 07:00h; combatia-se o dia inteiro e, à noite, tentava-se guardar as posições conquistadas. No dia 6 de fevereiro já haviam conseguido retomar o quartel-general da província, a prisão e o hospital. No dia 9, toda a resistência organizada que se encontrava ao sul do rio fora derrotada.
A retomada da Cidadela
Tanque M48A3 Patton do 1º Batalhão de Tanques do USMC dá apoio ao 1/5 Marines na Cidadela em 12 de fevereiro Fora das muralhas, a Brigada de Cavalaria Aerotransportada comandada pelo coronel Hubert Camppbell, que tinha a incumbência de isolar a Cidadela pelos lados oeste e norte, aumentara para quatro batalhões. Sua tarefa também foi ampliada com as ordens de atacar a leste, completando o cerco às forças do ENV que se encontravam na cidade. Enviou-se à Cidadela o brigadeiro Oscar Davis, comandante-auxiliar da 1ª Cavalaria Aerotransportada para juntar-se a Truong e determinar quais seriam as necessidades, em termos de forças, para que se pudessem concluir os combates. No fim de fevereiro, a luta havia se resumido à posse da Cidadela, bombardeada por jatos A-4 Skyhawks com bombas de napalm, e do palácio imperial em seu interior. Tomando a torre principal da Cidadela após sangrento combate, marines hastearam a bandeira norte-americana no lugar, sendo obrigados a recolhê-la logo após por ordens superiores, já que a lei sul-vietnamita proibia que qualquer bandeira estrangeira fosse hasteada em áreas públicas no Vietnã do Sul sem a correspondente bandeira sul-vietnamita ao lado. Na ocasião, os marines se recusaram a cumprir a lei e a mantiveram hasteada ameaçando atirar em oficiais do exército que os ordenaram que a recolhesse, até serem obrigados a fazê-lo por ordem do comando dos fuzileiros. No dia 21 de fevereiro, iniciando a fase final das operações, a brigada de Campbell lançou um ataque em direção ao leste. Na noite de 23 para 24, Truong efetuou um ataque-surpresa com seu 2º Batalhão do 3º Regimento, em direção ao Palácio Imperial, ao longo da grande muralha. No dia 24 de fevereiro de 1968, o palácio imperial no interior e no centro da Cidadela foi finalmente tomado aos norte-vietnamitas e a companhia Pantera Negra da 1ª divisão do exército da República do Vietnã dali retirou a bandeira vietcong azul, vermelha e com uma estrela dourada em seu centro, que ali flamejava desde 31 de janeiro e a substituiu pela bandeira vermelha e amarela da República do Vietnã. Alguns dias depois, os norte-vietnamitas abandonaram completamente a cidade.
Balanço final Os fuzileiros navais americanos contaram 142 mortos e 857 feridos e evacuados - 228 desses com ferimentos leves. Conforme os oficiais encarregados do comando das operações em Huê, os combates poderiam ter se concluído bem mais rapidamente se as condições meteorológicas (chuva, neblina, monção) não tivessem restringido o uso de armas de apoio. Outro fator negativo para o desenvolvimento do combate foi a falta de um serviço de informações local adequado.
Os fuzileiros navais gastaram 18.091 descargas, entre disparos de potentes explosivos, fumaça. fósforo branco, iluminação e gás lacrimogêneo. Três cruzadores e cinco contratorpedeiros que permaneceram ancorados na costa dispararam 5.191 cartuchos de 127. 152 e 203 mm. O apoio aéreo aproximado foi limitado pelas condições meteorológicas, mas aviões da Marinha americana chegaram a fazer I 13 vôos lançando 131.941 kg de peças de artilharia. O emprego mais eficiente de apoio aéreo registrou-se no dia 22 de fevereiro quando foram lançados 115 kg de bombas e 228 kg de latas de napalm, com seu efeito devastador, no vértice sul da Cidadela, em apoio aos fuzileiros navais que assaltavam a muralha num prelúdio ao ataque final de Truong. Pelotões adicionais de tanques chegaram a Da Nang transportados por veículos anfíbios, nos dias 11 e 17 de fevereiro. O fogo de artilharia do inimigo destruiu apenas um dos carros de combate. Os Onntos, com suas seis armas sem recuo de 106 mm, mostraram-se de valor inestimável, por penetrarem em locais inacessíveis aos carros de combate normais. Os fuzis M16, de cuja utilidade duvidou-se inicialmente, acabaram também sendo reconhecidos como eficientes. A ponte flutuante instalada pela 1ª Companhia de Pontes dos Fuzileiros Navais sobre o canal de Phu Cam, no dia 12 de fevereiro, possibilitou a travessia de 104 comboios de Rough Rider em viagens de ida e volta entre Phu Bai e Huê. Apoiaram a operação cinco veículos de transporte anfíbio que sofreram algumas perdas sérias: um deles, levando munição explodiu: outros dois, carregados com óleo e petróleo pegaram fogo e afundaram.
Os helicópteros dos fuzileiros navais
efetuaram 823 vôos, transportando 1.672 soldados e 473.606 kg de carga.
Realizaram também 270 missões de socorro médico e de evacuação, retirando
um total de 977 feridos. A zona de desembarque para helicópteros de
reabastecimento no início situada na rampa dos veículos anfíbios, foi
transferida no dia 18 de fevereiro para um estádio, local bem visível e
resguardado. No interior da Cidadela, porém, a única zona de desembarque
disponível ficava no hospital e era bem menos segura para a aterrissagem.
Vários helicópteros foram atingidos por disparos; um caiu.
Militarmente, a batalha de Huê foi uma vitória tanto para os Estados Unidos como para o Vietnã do Sul. Cerca de 12 mil inimigos, o efetivo de uma divisão, foi expulsa de Huê após invadi-la, sofrendo mais de 5 mil mortes em um mês de combates. Entretanto, para a opinião pública norte-americana, ela foi o começo do fim. Dali em diante, o povo americano passou a rejeitar a idéia de enviar seus jovens e seus homens para morrer no Vietnã, e durante os cinco anos seguintes o envolvimento dos EUA na guerra foi gradualmente diminuindo, até a saída final de todas as tropas americanas do país em 1973.
O preço pago pelos civis O preço pago pelos não combatentes só pôde ser avaliado depois de encerradas as batalhas. Além das mortes resultantes diretamente de combates, várias perdas ocorreram entre líderes e funcionários governamentais, eliminados pelas forças rebeldes. Descobriram-se 2.800 corpos de sul-vietnamitas enterrados em fossos coletivos. Depois, concluídas as investigações, verificou-se que havia pelo menos outros 3.000 mortos ou desaparecidos. Batalhas intensas e desgastantes como as de Huê e Khe Sanh fizeram da ofensiva comunista do Tet uma eloqüente demonstração de que americanos e sul-vietnamitas se encontravam num beco sem saída dentro deste conflito no sudeste asiático. DADOS:
ALIADOS
NORTE-VIETNAMITAS E VIET-CONGS
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