Perfil da Unidade

 

TIGRES VOADORES - GRUPO DE VOLUNTÁRIOS AMERICANOS  

“Deus Todo-Poderoso, eu me alegro que ele esteja do nosso lado !"
Winston Churchill sobre Claire Chennault


Em abril de 1937, menos de três meses antes do incidente da Ponte Marco Polo, que levou a guerra do Japão contra a China, o governo chinês fez um convite a Claire Chennault para que, no prazo de três meses, empreendesse a inspeção do setor aeronáutico de suas forças armadas. Chennault, autor de controvertidas proposições relacionadas com táticas e estratégia aéreas, ante a insistência da esposa de Chiang, afastou-se do serviço ativo da aviação militar norte-americana, alegando motivos de saúde, para que pudesse dedicar-se a essa importante missão. A Sra. Chiang, que havia sido designada por seu marido para supervisionar o desenvolvimento das defesas aéreas da China, ouvira falar de Chennault e de sua discutida doutrina por intermédio de alguns norte-americanos, seus conhecidos, e rapidamente encampou a sugestão no sentido de que Chennault fosse convidado a examinar cuidadosa e imparcialmente o estado de preparação da esquadra aérea que estava sendo treinada pêlos italianos.

Chennault partiu para o Oriente a 1° de maio de 1937, dando inicio, assim, a uma carreira, na ocasião para ele desconhecida, que o faria permanecer na China até o fim da guerra, em 1945. No dia da partida, contava regressar aos EUA logo após o término de sua visita de inspeção. De maio a junho de 1937, Chennault examinou cuidadosamente todas as instalações e centros de treinamento da Força Aérea da China e não lhe custou muito a concluir, após as observações feitas, que a aviação militar de Chiang Kai-shek se encontrava em situação de total despreparo, incapaz mesmo de defender qualquer parcela do território da China ante um ataque japonês. Sob a tutela italiana, a força aérea do pais realmente se expandiu, mas, como Chennault prontamente verificou, a qualidade dos homens que a ela pertenciam e do equipamento que utilizavam deixava muito a desejar. Chennault criticou acerbamente a escola de vôo estabelecida pêlos italianos em Loyang, que graduava, indiscriminadamente, ao final do curso, todos os cadetes que nela se matriculavam, soubessem ou não voar. 

Uma vez que a maioria dos cadetes procedia de famílias abastadas, que apoiavam o Kuomintang, e constituía um corpo social de elite, a orientação seguida pêlos italianos, de graduar todos os alunos matriculados na academia aérea, agradava a Chiang Kai-shek, o qual não se dava conta de quão precariamente treinados eram os aviadores chineses, mas, ao contrário, supunha-os de elevada formação. De maneira bastante trágica, até, a atuação da Força Aérea chinesa, logo após a invasão nipônica, pôs em destaque a competência de seus aviadores e a insuficiência do treinamento recebido.

Chennault preparava seu relatório a respeito da situação da arma aérea da China quando os japoneses, como pretexto para a invasão do pais, maquinaram o incidente da Ponte de Marco Polo. A ofensiva nipônica foi rápida e decisiva. Apesar da heróica resistência oposta pelas forças chinesas em algumas regiões, os japoneses rapidamente se apossaram de todos os centros urbanos ao longo da costa e começaram a subir o rio Yangtsé à proporção que o governo chinês se retirava para o interior do país.

No inicio do conflito sino-japonês, a atividade aérea levada a cabo por ambos os lados foi executada de modo bastante precário. Mas não demorou muito a constatar-se que a esquadra aérea de Chiang se mostrava incapaz de golpear os japoneses que avançavam ao longo do Yangtsé, como também de defender o pais contra os contínuos ataques aéreos. Embora no início da guerra os chineses possuíssem cerca de 500 aviões, apenas 99 deles eram equipados para combate e muito poucos os aviadores que tinham condições de enfrentar o inimigo, tal o seu despreparo. Como conseqüência, os japoneses assumi­ram o controle dos céus sobre o território

Devastadores ataques aéreos a Chungking assinalam o início da ofensiva japonesa no sudoeste da China. Como conseqüência direta dessas operações, formou-se o Grupo Americano de Voluntários — os Tigres Voadores chinês logo nas primeiras semanas da guerra e, dai por diante, por três anos a fio, usaram a China como campo de provas no qual os seus pilotos puderam adquirir valiosa experiência de guerra. Durante os primeiros anos de conflito, a China foi usada como área de treinamento dos pilotos japoneses, que operavam a partir de bases terrestres e de porta-aviões.

E assim, às vésperas do ataque a Pearl Harbor e como resultado de tal experiência, os pilotos japoneses eram, coletivamente, talvez os mais hábeis e bem treinados pilotos de guerra, ultrapassando de muito, em eficiência e perícia, até mesmo seus aliados alemães e italianos. Quando se tornou evidente que a Força Aérea da China estava inerme, incapaz de defender o pais contra os ataques japoneses, alguns chineses influentes propuseram a formação de uma unidade aérea constituída de pilotos voluntários para enfrentar os nipônicos. Tal idéia não era nova, no entanto. Na realidade, em 1931, após a ocupação da Manchúria pelo Japão, H. H. Kung, cunhado do Generalíssimo Chiang Kai-shek e, membro importante do Kuomintang, fizera a mesma sugestão. Àquela ocasião, a proposta de Kung foi recusada por Chiang Kai-shek, que acatou a opinião do Coronel Jouett, chefe da missão norte-americana, sob o fundamento de que, se aceita, tal proposição interferiria nos planos de expansão da Força Aérea da China então sendo executados.

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Em outubro de 1939, entretanto, a situação era diferente. Após a batalha de Xangai e ante a saída dos italianos, motivada pelo compromissos assumidos por seu pais para com o Japão e da existência de apenas doze aviões ainda capazes de levantar vôo, dificilmente poderia a aviação chinesa opor qualquer resistência aos japoneses. Por conseguinte, uma legião aérea internacional foi armada às pressas a fim de defender o país, O Esquadrão Aéreo Internacional era constituído de voluntários ingleses, holandeses e americanos. Pilotando aviões de combate adquiridos para o governo chinês pelo negociante de armas William Pawley, esse voluntários, em número que não ia além de poucas dezenas, realizaram incontáveis incursões às instalações japonesas no norte da China durante o inverno de 1937-38. Infelizmente para os chineses, essa bizarra coleção de homens e máquinas não chegou a constituir-se em ameaça para os japoneses, e sua atividade, heróica, é certo, logo foi levada a termo, principalmente após a destruição da base da qual operavam, em Hankow, em 1938. Não tivessem eles existido, até a chegada das unidades aéreas e dos conselheiros russos, a China teria estado inteiramente á mercê dos ataques aéreos japoneses.

O envio pêlos russos de seis esquadrões á China (dois de bombardeio e quatro de caça), pouco depois da assinatura do Tratado de Não-Agressão Sino-Soviético, a 21 de agosto de 1937, permitiu aos chineses o reagrupamento de sua força aérea em Kunming, ao mesmo tempo em que se proporcionou cobertura para os exércitos de terra e proteção contra os ataques aéreos. As unidades de aviação enviadas pêlos russos à China eram integradas por elementos da própria força aérea russa, comandadas por seus oficiais e enviadas com seus efetivos completos, inclusive com tripulações de terra e os suprimentos necessários. Os pilotos russos eram duros, hábeis, bem disciplina­dos e também passaram a utilizar a China como local para testar suas táticas e seu equipamento. Entre 1937 e 1940, constituíram o mais importante baluarte aéreo com que contou a China contra os japoneses.

 

Além de enviar seis esquadrões para a China, os russos mandaram 400 aviões a fim de serem usados pela.força aérea chinesa. Para treinar os cadetes e os aviadores chineses na utilização do equipamento reme­tido, foram criadas várias escolas de aeronáutica e de artilharia antiaérea. Os gradua­dos por essas escolas logo provaram ser os mais eficientes dentre os aviadores chineses. E não foi por acaso que os principais comandantes da Força Aérea da China, durante a guerra, tivessem sido, em sua quase maioria, treinados pêlos russos.

A defesa aérea proporcionada pêlos russos na China era limitada, entretanto. Apesar da eficiência de suas operações, eram ultrapassados em quantidade pêlos japoneses, que com bastante habilidade lograram encurralar os russos no norte da China, ao mesmo tempo em que enviavam outras unidades para devastar as instalações chinesas em Szechwan e Yunnan.

Em janeiro de 1939, os japoneses desfecharam uma ofensiva maciça no sudoeste da China, iniciada por ataques aéreos, os primeiros até então efetuados contra a sede do Governo. Destinados a romper o impasse com os nacionalistas e forçá-los à submissão, esses ataques aéreos continuaram sem oposição durante meses seguidos. A inexistência de defesas adequadas contra essas operações permitiu que os japoneses operas­sem da forma que desejassem. E uma vez mais a Força Aérea da China mostrou-se incapaz de defender o pais contra os nipônicos. O Esquadrão Aéreo Internacional, ou o que restava dele, nada podia fazer. Os russos, encurralados no norte da China, não se mexiam. Em pouco tempo a situação tornou-se extremamente critica e, para tentar resolvê-la, ou pelo menos contorná-la, concebeu-se e formou-se o Grupo de Voluntários Americanos _ o AVG - American Volunteer Group, núcleo inicial daqueles que passariam à História como "TIGRES VOADORES".

Chennault conversa com pilotos e mecânicos

Os Tigres Voadores

Quanto mais constantes e impiedosos os ataques aéreos japoneses a Chungking, Claire Chennault, então no posto de coronel da Força Aérea da China, e o Major-General Mao Pang-tzo, seu Chefe de Operações, foram chamados às pressas à capital por Chiang Kai-shek. Em outubro de 1940, Chiang propôs que Chennault e Mao partissem imediatamente para os Estados Unidos com a missão de adquirir aviões e recrutar pilotos norte-americanos que estivessem dispostos a lutar contra o Japão. Embora se mostrassem pessimistas quanto à possibilidade de adquirir os modelos mais recentes de aviões, tendo em vista a necessidade de tais aparelhos na guerra que então se travava na Europa, e céticos quanto à eficiência de uma nova força voluntária na China, à luz da experiência recente com o Esquadrão Aéreo Internacional, Mão e Chennault concordaram em empreender a missão e partiram para os Esta­dos Unidos.

Insígnia dos Tigres Voadores criada pelos estúdios Walt Disney. O estúdio de Walt Disney criou um número estimado de 1.200 insígnias no decorrer da Segunda Guerra Mundial

Tendo chegado em novembro de 1940, Mão e Chennault, poucos dias depois, a 25 do mesmo mês, apresentaram a proposta de Chiang à Comissão de Ligação do Presidente, o órgão civil que coordenava a compra de armamentos por estrangeiros aos Estados Unidos. A proposta de Chiang, preparada com a colaboração de Chennault e Mão, estipulava a aquisição de 660 aviões (500 de caça, 150 de treinamento e 10 de transporte) e material suficiente para a construção de 14 grandes aeroportos e 122 pistas de aterragem, mais a munição e peças suficientes para um ano de operações. Além da solicitação desse equipamento material, o Generalíssimo solicitava permissão para recrutar voluntários norte-americanos que desejas­sem pilotar os aviões e, também, treinar e transportar aviadores chineses para pilotar os aparelhos que iriam ser adquiridos.

Em Washington, as autoridades consideraram essas propostas absurdas. Em virtude da necessidade urgente de se suprir a Inglaterra de equipamento de toda sorte, para que ela pudesse defender-se dos alemães, e da rápida expansão das forças militares e navais norte-americanas, então em franco desdobramento, os lideres militares do Pentágono, de início, recusaram considerar o plano de ajuda solicitado por Chiang. Porém, felizmente para os que propunham a formação do grupo de voluntários americanos, Chennault e Mão encontraram apoio | importante para seu esquema da parte de Lauchiin Currie e Thomas Corcoran, assessores da Casa Branca e também de Frank Knox, Secretário da Marinha, e Henry Mor-genthau, Secretário do Tesouro, ambos membros do Gabinete do Presidente.

Juntamente com T. V. Soong, embaixador da China nos Estados Unidos, convenceram Franklin D. Roosevelt, que logo se mostrou favorável ao projeto, e que livrou, assim, de muitos obstáculos oficiais o caminho para a criação do AVG _ ou seja, o Grupo de Voluntários Americanos. Com o sinal verde dado pela Casa Branca, Chennault iniciou a árdua tarefa de adquirir aviões para a nova força de voluntários. Durante o inverno de 1940-41, viajou por todos os Estados Unidos, visitando as mais importantes fábricas de aviões e instalações militares. A compra de aviões para o Grupo de Voluntários Americanos mostrou-se tarefa difícil por ter sido dada alta prioridade às solicitações feitas pela Real Força Aérea da Grã-Bretanha e pelo Exército e Marinha norte-americanos, que estavam expandindo consideravelmente seus efetivos e haviam feito encomendas que já excediam, em muito, a capacidade de produção da indústria aeronáutica norte-americana. Assim, as possibilidades de Chennault adquirir, não os 660 aviões, consoante a encomenda, mas um só, eram mínimas.

A Compra do P-40

Todavia, graças aos esforços de Burdette Wright, vice-presidente da Curtiss-Wright Corp., e de William D. Pawley, representante da Curtiss-Wright na China, acertou-se um trato no sentido de serem adquiridos 100 aviões de caça P-40B, não aceitos pêlos ingleses, embora a eles consignados. Em troca da liberação da opção de compra dos P-40B, a Curtiss-Wright se comprometia a fornecer aos britânicos versão mais aperfeiçoada dos referidos caças. Quando, finalmente, em janeiro de 1941, os ingleses concordaram com essa solução, os aviões foram imediatamente adquiridos pêlos chineses pela quantia de 8.900.000 dólares.
O caça P-40B não era o avião mais adequado ao combate, dadas as condições que então se travava na China, mas se constituía na única opção ao alcance dos chineses.

Além disso, todos os esforços no sentido completar a compra inicial feita a Curtiss-Wright com outros modelos de aviões, bombardeiros médios, principalmente, fracassaram. Desesperados por não obter o tipo de avião que precisavam os chineses aceitaram os P-40, muito embora este não estivesse adequadamente equipado para o combate aéreo.  Na pressa de obter qualquer tipo de avião ficaram com o P-40, a pressuposição de que os britânicos, para quem inicialmente se destinavam os P-40,  liberassem o armamento, munição e peças de reposição, já existentes em seus depósitos e fornecidos através da Lei de Empréstimo e Arrendamento.

Quando os ingleses não puderam, ou não quiseram, completar o equipamento dos aviões adquiridos pelos chineses, a China Defense Supplies Inc., uma empresa comercial representante oficial do governo chinês nos EUA, argumentou que se os britânicos não podiam equipar os aviões, o Departamento da Guerra dos EUA tinha a obrigação de fazê-lo, o que acabou sendo feito, apesar de alguns resistências.

Houve também um problema com a comissão sobre a venda dos  aviões entre a Curtiss-Wright e o seu representante de vendas Willian D. Pawlwy. Por causa disto os aviões ficaram retidos nas docas de Nova York, até que tudo foi solucionado, o que demorou cerca de dois meses, mas somente após a intervenção do Secretário do Tesouro, Henry Morgenthau, em 1º de abril de 1941.

Quando ambas as partes em disputa aceitaram uma solução de compromisso, o obstáculo legal ao embarque dos aviões foi afastado. Logo a seguir, eles foram embarcados a bordo de um cargueiro norueguês que demandava a Birmânia. Se a aquisição de aviões para o AVG se mostrou uma tarefa difícil, muito mais foi o recrutamento de voluntários para pilotar e fazer a manutenção dos aviões. Dois fatores complicavam o trabalho de recrutamento: primeiro, a relutância dos comandantes, tanto do Exército como da Marinha, em permitir a presença de agentes recrutadores de voluntários em suas próprias bases. Numa ocasião em que tanto o Exército como a Marinha expandiam seus efetivos, a formação do AVG era considerada nada mais na­da menos que uma ameaça a essa expansão. Logo após haver o Presidente Roosevelt baixado uma diretiva, isto a 15 de abril de 1941, permitindo que Chennault e outros recrutassem voluntários para o AVG dentro de bases militares, conseguiu-se a cooperação das autoridades da Marinha e do Exército.

O segundo fator a complicar a solução do problema foi a necessidade de recrutar pilo­tos e técnicos de uma maneira, pelo menos, "legalmente coerente" com a neutralidade existente, na época, entre o Japão e os Estados Unidos. Em face da fragilidade das relações nipo-americanas, o recrutamento de voluntários para a guerra na China tinha que ser feito com o maior tato e segredo possíveis. E o fato de os EUA se terem declarado neutros com relação à guerra entre a China e o Japão impedia a negociação direta dos governos chinês e norte-americano, a respeito da venda de equipamento ou prestação de ajuda militar, fazia com que todos os assuntos tivessem de ser tratados por companhias ou empresas particulares, que agiam, entre­tanto, com o apoio e o beneplácito dos Departamentos de Estado e da Guerra. Assim sendo, os responsáveis pelas transações entre a China e os Estados Unidos eram a Central Aircraft Manufacturing Company (CAMCO) e a China Defense Supplles, esta, adquirindo aviões em nome do governo chinês, enquanto aquela recrutava aviadores para pilotá-los e mecânicos para manter em condições de vôo. 

Para fins oficiais, os recrutadores do AVG eram considerados empregados da CAMCO. Assim, Chennault, designado pelos chineses para comandar o Grupo de Voluntário Americanos, ostentava o titulo não-militar de Supervisor da CAMCO, quando todos os que se apresentavam com voluntários passaram a ser considerados empregados da CAMCO. Os contratos «s nados com a CAMCO eram obras-primas de escapismo. Em nenhuma ocasião se fazia a menor referência pública aos objetivos bélicos do AVG. Aos que se apresentavam como voluntários para servir na China era oferecido o contrato de um ano com a| CAMCO, para "manufaturar, reparar e pilotar aviões".

De abril a julho de 1941, os agentes CAMCO visitaram todas as bases aéreas dos Estados Unidos no mister de recrutar voluntários para o AVG. Os recrutadores eram pilotos experientes, que já tinham prestado serviços como "empregados" da CAMCO, e nas reuniões que organizavam esboçavam-se, então, as condições de emprego aos voluntários em potencial. Aos pilotos que aceitavam o voluntariado eram ofereci­dos salários que variavam de 600 a 750 dólares mensais, mais despesas de viagem, alojamento, além de um extra de 30 dólares mensais, para alimentação suplementar, e fé­rias remuneradas de 30 dias. Os mecânicos recebiam propostas de salários que iam de 150 a 350 dólares mensais, mais benefícios extras similares. Em troca, o voluntário se comprometia a assinar contrato com a CAMCO para prestação de serviços por um ano e pelo qual concordava em servir como agente dó governo chinês. Durante o tempo de permanência do AVG, os voluntários conservariam a cidadania norte-americana e, após um ano de serviço na China, esta­riam livres, se o desejassem, para retornar às suas antigas unidades militares, sem perda de posto ou tempo de serviço. Caso os Estados Unidos entrassem na guerra, fosse na Europa, fosse na Ásia, os voluntários estariam livres do compromisso assumido e poderiam abandonar a China, mesmo que seus contratos não tivessem ainda sido cumpridos integralmente. Talvez o incentivo mais interessante oferecido aos futuros pilotos do AVG (mas não mencionado nos contratos da CAMCO) fosse a gratificação de 500 dólares ( o equivalente hoje a uns 10.000 dólares), a ser paga pelo governo chinês, por avião japonês cuja destruição ficasse confirmada. Entre os pilotos recrutados estava o lendário Gregory Boyington que iria durante a Segunda Guerra Mundial liderar os famosos Ovelhas Negras do Marine Fighter Squadron - VMF-214.

Em cada reunião, entretanto, Chennault e os outros recrutadores esclareciam aos candidatos que iriam participar de uma guerra, mas para que fosse satisfeita a ficção de neutralidade da nação norte-americana, as operações a serem efetuadas pela CAMCO não eram consideradas de natureza militar. Os candidatos tinham que ser submetidos a rigoroso crivo por parte dos experimentados pilotos da CAMCO, até que fossem considerados aceitos para integrar o AVG e, sempre que possível, somente se recrutavam pilotos e equipes de manutenção com bastante vivência dos problemas comuns à aviação e, teoricamente pelo menos, apenas homens com um mínimo de dois anos na profissão poderiam habilitar-se a participar do corpo de voluntários. No fim, entretanto, a realidade e o ideal não se casaram e, em virtude da dificuldade de conseguir candidatos, os recrutadores foram obrigados a aceitar ele­mentos que nas provas iniciais não satisfizeram os requisitos básicos a princípio estabelecidos por Chennault.

1º Esquadrão - Adão & Eva

1º Esqadrão -  "Adam & Eves"

O objetivo inicial de recrutamento de 100 pilotos e 150 mecânicos foi finalmente alcançado durante o mês de junho de 1941. Logo em seguida, em princípios de julho, os voluntários foram enviados para São Francisco da Califórnia, onde, após uma reunião final de todo o grupo, embarcaram no paquete holandês Jaegersfontaine com destino a Cingapura. Depois de passadas as ilhas Havaí e até que alcançassem Manilha, o navio que os transportava foi escoltado, principalmente quando se aproximaram das ilhas sob mandato japonês, por duas belonaves norte-americanas. De Manilha, o navio tomou o rumo de Cingapura, onde, após baldeação para uma segunda embarcação, desta feita um cargueiro norueguês, alcançou Rangum a 28 de julho de 1941; o segundo contingente seguiu-se-lhe em setembro. De acordo com o plano original de Chennault, a base das operações do AVG deveria ser Kunming, na China. No entanto, em virtude dos atrasos verificados no embarque dos aviões e no recrutamento do pessoal e, .mais ainda, da incapacidade dos chineses em completar a preparação da base de Kunming antes do inicio da estação chuvosa, o primeiro contingente do AVG foi levado pa­ra o aeródromo de Kyedaw, nas cercanias da cidade de Toungoo, na Birmânia. Localizado a 270 km ao norte de Rangum, o campo de Kyedaw, com suas pistas de asfalto de 4.000 metros de comprimento, foi ar­rendado pelo governo colonial britânico da Birmânia e pelo Ministério da Guerra do Reino Unido a fim de ser utilizado como centro de treinamento do AVG.

Embora as autoridades britânicas, de um modo geral, fizessem o que estava a seu alcance para facilitar as operações do Grupo de Voluntários Americanos na Birmânia, a fragilidade das relações anglo-japonesas passou a ditar muitas limitações às suas atividades. Uma vez que não existia estado de beligerância entre a Grã-Bretanha e o Japão, sob circunstância alguma poderia o aeródromo de Kyedaw ser usado como base para desfechar ataques aos aviões e instalações japonesas. Além do mais, ao utilizar a base como centro de treinamento, o AVG devia evitar qualquer atividade capaz de levantar suspeitas ou queixas da parte dos nipônicos. Além das limitações impostas pela delicada situação diplomática, os regulamentos da Real Força Aérea proibiam qualquer alteração em suas bases aéreas sem prévio consentimento do Oficial-de-Ligação da RAF na Birmânia, o Comandante E. R. Maning, o qual, bastante preocupado com a súbita chegada de um grupo aéreo irregular à área sob seu comando, agarrou-se escrupulosa­mente às ordens recebidas e fez pouquíssimas concessões aos líderes do AVG.

Treinamento

Após sua chegada a Rangum, a 28 de julho de 1941, o primeiro contingente do Grupo de Voluntários Americanos foi imediatamente levado para o aeródromo de Kyedaw pêlos agentes da CAMCO, a fim de dar inicio ao treinamento. Para a maioria dos homens, aquela era a primeira experiência no estrangeiro e, acostumados ao alto padrão das instalações militares norte-americanas, Kyedaw era um fim-de-mundo. Totalmente destituída de qualquer conforto, inclusive telas contra mosquitos e eletricidade, localizada em região conhecida'por seu clima bastante hostil, Kyedaw era, consoante opinião de um voluntário, "o que a Birmânia tinha de pior". A realidade da vida desconfortável, sob condições de clima ao mesmo tempo quente e com elevado teor de umidade, muito cedo mostrou seus inconvenientes. A despeito da presença de três médicos e de farto estoque de medicamentos, a malária e a disenteria logo se tornaram par­te do cotidiano. Chennault só muito tempo depois veio a saber que a. RAF havia abandonado a base de Kyedaw "pelo fato, simplesmente, de os europeus não conseguirem sobreviver em clima tão hostil". O AVG conseguiu manter-se vivo durante meses em Kyedaw, mas, como conseqüência da vida naquela base afastada e inóspita, o moral e a saúde dos voluntários se abateram.

O treinamento em Kyedaw foi longo e árduo. Embora os pilotos voluntários possuíssem alguma experiência e habilidade bastante para trabalhar em conjunto, poucos eram os que já tinham voado em aviões de caça. A maioria jamais o fizera. Na opinião de Chennault, as técnicas de combate que lhes tinham sido ensinadas nos Estados Unidos eram inaplicáveis na Birmânia e na China. Por conseguinte, os pilotos tinham que se familiarizar simultaneamente com os P-40, nos quais iriam voar, e com a estratégia de Chennault _ ou, conforme este mesmo salientou: "começamos em Toungoo como num Jardim de Infância, tendo que ensinar tudo, inclusive mostrar a pilotos de bombardeio como controlar aviões de caça".

2º Esquadrão - Ursos Panda

2º Esqadrão -  "Panda Bears"

Chennault começou o curso de treinamento de combate do AVG com uma introdução de seu conceito de guerra aérea e o uso da aviação de caça. Esse conceito, já anteriormente definido em seu livro O Papel da Aviação de Caça, que constituía o texto básico de todos os pilotos do AVG, fundamentava-se em duas suposições: a primeira, de que os aviões de caça, quando emprega­dos com propriedade, poderiam facilmente interceptar os bombardeiros inimigos; a segunda, que as missões de bombardeio exigiam proteção de aviões de caça, a fim de que se evitassem perdas pesadas. Essas pro­posições, entretanto, eram consideradas, no mundo da aviação, como não-ortodoxas, opinião compartilhada, inclusive, pêlos próprios colegas de Chennault. Numa época em que a maioria dos aviadores considerava o bombardeiro como a arma do futuro e salientava a importância do bombardeio estratégico, o qual, segundo acreditavam, não poderia ser seriamente obstado pelo caça inimigo, Chennault advogava justamente o contrário, isto é, o emprego do avião de caça como arma eficaz.

No texto do seu livro, Chennault instava pela fabricação de caças de longo raio de ação, adequadamente armados e capazes de acompanhar as missões de bombardeio e de levar a efeito surtidas de devastação. Mais importante ainda: sugeria o uso dos aviões de caça aos pares, em oposição, portanto, ao emprego de caça único, em luta singular. Baseando suas proposições na técnica do emprego de pares de aviões, utilizada com bastante sucesso por Oswaid von Boelke e pelo Barão Manfred von Richthoffen, grandes ases da aviação alemã na Primeira Guerra Mundial, Chennault era de opinião que a tática da utilização da aviação de caça, ali cercada no uso de duplas de aviões, era mais eficiente do que a perseguição individual ou as ações por parte de um grupo muito grande. Chennault acreditava ainda que o emprego do avião de caça para fins de reconhecimento eficiente e obtenção de informações seguras era de grande potencialidade.

Embora os pontos de vista de Chennault fossem considerados irrealistas por parte de seus colegas da Força Aérea Norte-Americana, os pilotos do AVG na Birmânia despendiam de 5 a 8 horas diárias pondo em prática sua doutrina de combate aéreo. Em terra e no ar, sob condições reais, os pilotos do AVG levaram ao aperfeiçoamento as táticas e a estratégia preconizados por seu idealizador.

Acima de tudo, o treinamento levado a efeito pêlos pilotos do AVG salientava a importância do trabalho em equipe. A ação heróica, individualista, era formalmente condenada; os aviadores foram forçados a reconhecer que o trabalho em grupo, mais do que o heroísmo individual, era a chave do sucesso. Os pilotos do AVG eram aconselhados a esquecer as teorias de combate individual e doutrinados a sempre lutar em parelha, com o avião líder lançando-se ao ataque enquanto o seu ala lhe protegia a cauda. Chennault comparava cada membro do grupo ao boxeador, que necessita, das
duas mãos para combater e vencer.

Além do trabalho em equipe, o programa de treinamento salientava a necessidade ab­soluta de o piloto conhecer seu avião a fundo, explorando ao máximo as suas potencialidades, sem conceder ao inimigo, ao mesmo tempo, a possibilidade, por menor que fosse, de tirar partido de eventuais pontos fracos de sua aeronave.

Os P-40 pilotados pêlos americanos do AVG eram mais adequadamente armados, dispondo, inclusive, de maior poder de fogo que os caças japoneses, embora menos manobráveis. Por conseguinte, ainda que se mostrassem particularmente eficientes nos ataques em mergulho e na perseguição individual, não eram páreos para os caças inimigos, em igualdade de condições. Chennault constantemente advertia a seus homens para que se abstivessem de empenhar-se em com­bates um-a-um com os japoneses, como os travados pêlos pilotos da Esquadrilha Lafayette, pois correriam sério perigo. E pelo fato de serem aviões e pilotos de substituição difícil, se não impossível, o heroísmo, a aventura e a ousadia individuais, objetivos para os quais os aviões não haviam sido construídos, poderiam somente terminar em desastre.

3º Esquadrão - Bell´s Angels

3º Esqadrão - "Hell´s Angels"

Embora os P-40 não fossem o que de melhor havia no arsenal norte-americano, eram os únicos aviões de que os voluntários do AVG dispunham e que puderam conseguir, e não seria, portanto, aconselhável que corressem desnecessariamente o risco de perde-se. Havendo-se familiarizado com seu equipamento, os pilotos do AVG foram então submetidos a intenso estudo dos hábitos e condutas seguidos pêlos pilotos japoneses. Chennault tinha-os em alta conta e respeitava bastante a capacidade dos aviadores inimigos, advertindo freqüentemente seus pupilos para a falta de fundamento da opinião corrente acerca da inabilidade dos pilotos japoneses, muito popularizada entre os norte-americanos. Contrariamente à afirmação de que os japoneses eram pilotos de segunda categoria, "os piores artilheiros do mundo", agindo tão mecanicamente que seriam inca­pazes de realizar qualquer manobra que não constasse de seus manuais, Chennault garantia que os japoneses eram pilotos admiráveis, cujo treinamento e absoluta disciplina os tornavam adversários astutos, perigo­sos e merecedores de todo o respeito.

Dado que os pilotos japoneses voavam habitualmente em grandes formações, os pi­lotos do AVG foram treinados no sentido de quebrar essas formações, para em seguida confrontá-los em situações inesperadas, tirando o máximo de partido da confusão resultante. Embora aos pilotos japoneses faltasse, de um modo geral, capacidade de improvisar rapidamente em situações inesperadas. os pilotos do AVG eram aconselhados a não subestimá-los, mesmo em tal ocasião. Deu-se também muita importância aos exercícios de tiro durante o treinamento dos voluntários, a fim de que nos contatos com os japoneses, mesmo que breves, os disparos fossem mortíferos. Como Chennault acentuava sempre, um avião de caça nada mais era que uma plataforma artilhada e a oportunidade de derrubar o avião inimigo surgia rápida e inesperadamente. Não havia tempo, portanto, a perder. No treinamento de tiro era salientada a conservação da munição e do suprimento. Assim, insistia-se no aperfeiçoamento da técnica da rajada pronta e curta, ao invés de rajadas longas. Os pilotos eram instruídos no sentido de não atirar às cegas, mas, ao contrário, assestar suas ar­mas para os pontos mais vulneráveis dos aviões inimigos. Por exemplo, quando estivessem atacando bombardeiros, mais do que simplesmente atirar a esmo sobre a fuselagem, o expediente era concentrar o fogo nos tanques de combustível do aparelho, os quais eram insuficientemente protegidos na maioria dos aparelhos japoneses. Cada tiro tinha que ser para valer, porque nada pior do que um avião desmuniciado, o que pode­ria significar a morte para o seu piloto.

Em manobras de combate simulado, dirigidas do chão por Chennault, os pilotos do AVG punham em prática as técnicas aprendidas em terra. Após setenta e duas horas de palestras, os pilotos, operando aos pares, passavam pelo menos sessenta horas 'praticando no ar. Voar ao máximo de altitude permitido, sempre aos pares, ora mergulhando, ora fazendo passagens rápidas ou então irrompendo por entre unidades inimigas simuladas, constituíam uma prática da rotina diária, a qual os pilotos do AVG dominaram com mortífera perfeição. No processo da aprendizagem, entretanto, as perdas de equipamento foram pesadas. Pelo fato de os P-40 terem sido adquiridos com poucos sobressalentes, até mesmo acidentes triviais muitas vezes deixavam os aviões no chão, por falta de peças. Assim, quando o AVG, finalmente, veio a enfrentar em combates reais os japoneses, o número de aviões operativos era substancialmente menor do que os 100 adquiridos pêlos chineses. Os Tigres Voadores foram divididos em três esquadrões: 1º Esquadrão ("Adam & Eves"); 2º Esquadrão ("Panda Bears") e 3º Esquadrão ("Hell's Angels").

Ataque a Birmânia

O ataque japonês a Pearl Harbor pôs fim à ilusão de neutralidade que caracterizava a situação diplomática entre o Reino Unido, os Estados Unidos e o Japão, anteriormente a 7 de dezembro de 1941. A partir dessa data, seria apenas uma questão de tempo para que os aviões e os exércitos japoneses cruzassem a fronteira da Birmânia. Por essa razão, realizaram-se rapidamente preparativos no sentido de se fazer frente à ameaça. O General Wavell, comandante-chefe das forças britânicas na Birmânia, acreditava pudesse defender a colônia com um mínimo de ajuda externa. Solicitou inicialmente que os chineses destacassem apenas uma divisão e meia para integrar as forças de defesa da Birmânia e que o material destinado à China, que era enviado através do Programa de Empréstimo e Arrendamento, passasse a ser utilizado pêlos britânicos, se tal se fizesse necessário. Pediu também que o AVG destacasse um esquadrão de caças para proteger Rangum. E a isto se resumiram os preparativos para conter uma ofensiva que estava sendo cuidadosamente montada pêlos japoneses.

Piloto do AVG do 3º Esquadrão de Caças, "Hell´s Angels", com uniforme tropical na China em 1941.

A 10 de dezembro de 1941, um esquadrão do AVG transferiu-se da base de Kyedaw para o aeródromo de Mingaladon, situado nas cercanias de Rangum. Consistia de 21 aviões e vinte e cinco pilotos e juntou-se a uma pequena unidade da Real Força Aérea destacada para a defesa de Rangum, principal porto da Birmânia e centro de distribuição dos suprimentos enviados à China através do Programa de Empréstimo e Arrendamento. A despeito da relutância inicialmente manifestada em ceder qualquer fração de suas forças até que todo o grupo já houvesse completado o treinamento, Chennault acabou concordando com a solicitação feita posteriormente por Chiang Kai-shek, no sentido de que parte do AVG fosse destacada para reforçar a defesa da Birmânia.

Para os chineses, talvez mais do que para os britânicos, a defesa da Birmânia era questão absolutamente vital. A perda da rodovia Haiphong_Yunnan, efetivada logo após a ocupação da Indochina francesa pêlos japoneses, em 1940-1941, deixou a Estrada da Birmânia como um único elo terrestre de ligação da China com o mundo exterior.

A Estrada da Birmânia, que ao longo de 1.200 km serpenteava de Lashio, na Birmânia, até Kunming, na China, era, literalmente, o pulmão por onde respiravam os chineses. Se a Birmânia fosse ocupada e, concomitantemente, bloqueada a estrada, diminuiriam em muito as possibilidades de a China continuar a resistir aos japoneses. Por tudo isto, era imperativo que a Estrada da Birmânia fosse protegida a todo custo, e, mesmo que isso implicasse, também, no desvio de pilotos e aviões do AVG para operarem em outras áreas que não a China, assim seria feito. Na realidade, interrompido o fluxo dos suprimentos, ao longo da Estrada da Birmânia, para a China, até mesmo as probabilidades de vida do AVG seriam ínfimas.

A defesa da Birmânia começaria em Rangum. Assim, o desvio de um esquadrão do AVG para o aeródromo de Mingaladon era perfeitamente compreensível, apesar de freqüentemente, a escassez de combustível e de outros materiais essenciais. A lei marcial teve de ser imposta pelas autoridades britânicas, para impedir assaltos e distúrbios.

Os japoneses voltaram a Rangum a 25 de dezembro, num segundo ataque. Sua força de combate, composta de 60 aviões de bombardeio e de 20 caças como escolta, bipartiu-se pouco antes de a cidade ser atingida. Um grupo tomou a direção da base aérea de Mingaladon, o outro, da área do porto. Dessa vez os nipônicos foram enfrentados por 13 aviões do AVG. Avisados do ataque, os voluntários americanos estavam esperando os japoneses, que procediam de bases situadas na Tailândia, assim que atingiram as cercanias de Rangum. E, pela primeira vez, as táticas que. lhes tinham sido ensinadas por Chennault, durante o treinamento na base de Kyedaw, foram postas em prática numa batalha real. O resultado foi impressionante. Investindo contra as formações japonesas para espalhá-las e, depois, mergulhando para atacar caças e bombardeiros extraviados, os americanos puseram em fuga os japoneses, que perderam, pelo menos, vinte e três aviões em suas mãos, ao mesmo tempo que a RAF abatia outros 12. Dos treze aviões lançados à luta, perderam-se apenas dois. De maneira bastante clara, o combate serviu para provar que as táticas não-ortodoxas do AVG confundiram os japoneses a ponto de lhe permitir uma vantagem que a quantidade insignificante de aviões que possuía não lhe poderia dar.

Hawk 81-A-2 na China a serviço dos Tigres Voadores, pertencente ao 3º Esquadrão - Bell´s Angels

Após o combate, a rádio de Tóquio advertiu os pilotos do AVG de que, se não abandonassem suas atividades, passariam a ser tratados como "guerrilheiros e, como tal, não teriam mercê". A despeito do fato de terem repelido os japoneses, os homens da guarnição RA F-AVG tinham apenas obtido uma vitória de Pirro, pois, embora repelidos, alguns dos bombardeiros japoneses haviam conseguido penetrar nas defesas antiaéreas de Rangum e despejado sua carga de bombas. As funções vitais da cidade, uma vez mais, ficaram paralisadas e, novamente, milhares de pessoas tomaram o rumo do. interior, na esperança de se poupar a ataques futuros.

A 28 de dezembro de 1941, uma pequena formação japonesa (15 aviões) estava no rumo de Rangum, mas após o primeiro contato com outra do AVG, constituída por 10 aparelhos, bateu em retirada. Os aviões norte-americanos perseguiram os japoneses pêlos céus do sul da Birmânia até que foram forçados a aterrar para reabastecimento. Enquanto os caças estavam sendo reabastecidos, 'uma segunda formação nipônica, de 30 aviões (10 bombardeiros e 20 caças), atacou. Com apenas quatro aviões disponíveis para enfrentar os atacantes, o resultado foi desastroso para o AVG. Embora 12 aviões da RA F a eles se tivessem juntado, 65 km a sudeste de Rangum, os americanos se viram impotentes para impedir que os nipônicos golpeassem. Dez bombardeiros japoneses alcançaram o aeródromo de Mingaladon, causando-lhe danos consideráveis.

A artilharia antiaérea, que era antiquada, mostrou-se completamente inofensiva contra os aviões japoneses, que bombardearam as instalações da base de uma altitude de 3.000 pés (900 m), além do alcance dos antiquados canhões! A destruição causada aos hangares, tanques de combustível e aviões pousados foi muito grande. No dia seguinte, 29 de dezembro, os japoneses voltaram a Rangum, concentrando-se, desta feita, na cidade, em vez de fazê-lo no aeródromo. O ataque foi mais devastador que os precedentes. A principal estação ferroviária foi totalmente destruída, e os armazéns e plataformas, que estavam repletos de equipamento e mercadorias destinados à China, enviados pelo Programa de Empréstimo e Arrendamento, foram totalmente destruídos. Milhares de birmaneses e chineses deixaram a cidade que, pouco a pouco, ia-se despovoando. Novo ataque, este a 31 de dezembro, completou a destruição da cidade.

Pilotos do 1º Esquadrão do AVG correm para seus P-40.

Os ataques aéreos a Rangum continuaram por todo o mês de janeiro de 1942 e, pela primeira vez, foram feitas incursões noturnas na já devastada cidade. O AVG não podia oferecer defesa contra esses ataques, uma vez que seus aparelhos não estavam equipados para vôos noturnos. Embora cientes das conseqüências que adviriam desses ataques noturnos, os pilotos do AVG nada podiam fazer no sentido de proteger a cidade e, dessa forma, os japoneses puderam bombardear Rangum inteiramente à vontade.

Mas, como decorrência das incursões noturnas a Rangum, as táticas do AVG foram alteradas e, pela primeira vez na guerra, os aviões do Grupo de Voluntários atacaram bases japonesas na Tailândia, isto a 3 de janeiro de 1942, estabelecendo, assim, um padrão de ação ofensiva a ser repetido durante os meses de janeiro e fevereiro de 1942. Tais ataques eram, no entanto, limitados, em virtude da escassez de combustível e de suprimentos e, também, devido ao curto raio de ação dos P-40. Porque lhe faltassem bombardeiros de longo ou médio alcance, os ataques do AVG não chegaram a ameaçar seriamente os japoneses e não impediram, de maneira alguma, o avanço que fizeram pelo território birmanês.

Armeiros dos Tigres Voadores calibram as metralhadoras de um caça, de forma bastante improvisada.
Este P-40 pertence ao 3º Esquadrão - Bell´s Angels

A 20 de janeiro de 1942, quase um mês depois do inicio dos ataques aéreos a Rangum e a outras instalações militares, unidades militares japonesas, procedentes da Tailândia, penetraram no território do sul da Birmânia. Seu objetivo era cortar a ligação entre Rangum e Kunming, para depois, então, conservar a Birmânia como âncora sul-ocidental de um grande perímetro defensivo que se estendia por todo o território continental da Ásia sul-oriental, até o Pacifico sul-oriental.

Deslocando-se com rapidez através do sul da Birmânia, os japoneses derrotaram facilmente os soldados britânicos, birmaneses e indianos que defendiam os acessos a Rangum. A 23 de fevereiro de 1942, após haverem sitiado uma brigada de infantaria indiana, nas proximidades da Ponte de Sittang, os nipônicos cruzaram esse rio, envolveram Pegu e se dirigiram para o sul, na direção de Rangum.

Com a vitória dos japoneses na batalha da Ponte de Sittang, a ameaça a Rangum tornou-se extremamente séria. Os funcionários da missão norte-americana prepararam-se para transferir os suprimentos enviados pelo Programa de Empréstimo e Arrendamento para o norte do país ou, então, destruí-los nos armazéns e docas, a fim de impedir que caíssem em mãos inimigas. À medida que os japoneses avançavam na direção de Rangum, as mercadorias eram transportadas para fora da cidade à razão de mil toneladas por dia, mas embora elevada a quantidade de suprimentos retirados, não era suficiente para remover da capital birmanesa todo o material estocado e enviá-lo à China. Por conseguinte, grande parte do equipamento que ainda se encontrava no porto foi entregue às forças de defesa britânicas ou, então, destruída. Assim mesmo, quando os japoneses capturaram Rangum, a 6 de março de 1942, encontraram nos armazéns 19.052 toneladas de suprimentos, inclusive máquinas, equipamento industrial pesado, material de construção e motores elétricos. Antes de evacuar a cidade, os ingleses destruíram centenas de canhões, milhões de projéteis e dezenas e dezenas de caminhões e jeeps.

A fúria e a rapidez do avanço japonês na Birmânia excediam em muito tudo quanto os defensores haviam imaginado. À medida que os japoneses se aproximavam de Rangum, Wavell, apressadamente, solicitou ajuda suplementar aos chineses, ajuda essa que lhe tinha sido oferecida em princípios de fevereiro e que fora recusada. Apesar dos mal-entendidos entre Chiang e Wavell _ conseqüência da recusa de Wavell em consultar o Generalíssimo quando dos preparativos para a defesa da Birmânia _ Chiang atendeu à solicitação de Wavell, e as forças chinesas começaram a deslocar-se através da fronteira sino-birmanesa, a 28 de fevereiro de 1942.

Soldado chinês nacionalista guarda aviões P-40 dos Tigres Voadores

Pouco depois de terem os japoneses capturado Rangum (6 de março de 1942), as forças chinesas foram concentradas em Toungoo e em outros pontos ao norte dessa cidade, ao mesmo tempo em que unidades britânicas e indianas cavavam defesas em Mandalay, Prome e Yenangyaung. Era intenção de Wavell conservar esses centros contra os japoneses e, assim, interceptar a estrada entre Rangum e Mandalay. Se os japoneses pudessem ser contidos ao sul de Prome e Toungoo, os campos petrolíferos de Yenangyaung, principal fonte de produção da China, ficariam protegidos e seria facilitada a conclusão da nova estrada entre o Assa e a Birmânia, unindo os portos indianos de Calcutá e Chittagong á província de Yunnan, ainda em poder dos chineses. Através dessa nova estrada, os suprimentos enviados pelo Programa de Empréstimo e Arrendamento poderiam ser novamente canalizados para a China. Depois de tomarem Rangum, as unidades japonesas movimentaram-se na direção norte, ao longo dos rios Sittang e Irrawaddy, visando a Prome e Toungoo. A proporção que se deslocavam, eram atacados pêlos pilotos da RA F e do AVG, que decolavam de sua nova base em Magwe, 325 km ao norte de Rangum. Num esforço para destruir Magwe, os japoneses desfecharam bombardeios maciços contra a base, entre os dias 21 e 27 de março, empregando para esse  fim todos os aviões disponíveis em solo birmanês (cerca de 200). Esses bombardeios maciços contra Magwe forçaram o abandono e a evacuação da base, que levou á transferência das remanescentes unidades da RA F para a Índia e as do AVG para a China. Com isso, a presença aliada na Birmânia tornou-se quase inexistente, o que permitiu que os japoneses assumissem o controle do espaço aéreo da Birmânia setentrional.

A perda de cobertura aérea e a impossibilidade de um reconhecimento aéreo adequado após a destruição do aeródromo de Magwe transformaram britânicos e chineses em presa fácil para os japoneses, os quais, ainda por cima, dispunham de informações pormenorizadas a respeito de todos os movimentos das forças aliadas, por intermédio dos vários grupos nacionalistas birmaneses. Assim, quando os japoneses se dispuseram ao assalto a Prome e Toungoo, rapidamente se apossaram dessas cidades, infligindo perdas pesadas aos defensores da Birmânia, que, desarvorados, batiam em retirada. Os japoneses deram inicio ao ataque a Toungoo a 19 de março de 1942, capturando o aeródromo de Kyedaw, a primeira base de treinamento do AVG, cinco dias depois.

Enquanto os japoneses ultimavam os preparativos para o inicio da marcha para o norte, a partir de Toungoo. o General Joseph Stilwell, comandante norte-americano da zona de operações de guerra indo-sino-birmanesa e nomeado por Wavell responsável pela defesa da Birmânia, procurou persuadir os comandantes chineses a contra-atacar o inimigo em Toungoo e a retomar o aeródromo de Kyedaw. Fracassando em seus propósitos quanto aos chineses, convenceu os comandantes ingleses da área' a lançar o contra-ataque, o qual foi realizado, de forma desastrosa, porém. As unidades britânicas, derrotadas em Shwedaung, viram-se forçadas a abandonar os veículos blindados e a retirar-se a pé da zona dos combates, no dia seguinte ao do início da operação. O fracasso dos aliados em retomar Kyedaw deixou as unidades da RA F e do AVG com menos uma base da qual pudessem desfechar ataques aéreos às forças japonesas.

As vitórias nipônicas em Toungoo e Prome prejudicaram o plano aliado de interceptar a rodovia Rangoon_Mandalay. Pior ainda, como os japoneses continuassem a avançar para o norte, procedentes daquelas cidades, capturaram em rápida sucessão Magwe, Meiktila e Taunggyi, passando a ameaçar seriamente Yemangyaung, Mandalay e Lashio.

Como se transformasse em realidade iminente a sucessão de vitórias dos japoneses, iniciaram-se preparativos no sentido de serem evacuados todos aqueles importantes centros e os ingleses tomaram medidas para destruir rapidamente os depósitos de suprimentos e os campos petrolíferos de Yenan-gyaung _ enfim, tudo que pudesse ser utilizado pelo inimigo, ao mesmo tempo em que se esvaziaram os aeródromos situados nas regiões norte e central da Birmânia. Dessa forma, as operações do AVG, a partir de bases birmanesas, tiveram fim. Lashio, o ponto mais meridional da Estrada da Birmânia, caiu em poder dos japoneses a 29 de abril, juntamente com 44.000 toneladas de suprimentos e materiais remetidos pelo Programa de Empréstimo e Arrendamento para a China.

Com o fechamento da Estrada da Birmânia, os únicos caminhos terrestres ainda abertos para a China eram a antiga Rota da Seda, através da província de Sinkiang, mas via Rússia, e as trilhas seguidas pelas caravanas através dos muitos desfiladeiros do Himalaia, cruzando o Tibete. Nenhuma delas era propicia ao transporte de grandes quantidades de suprimentos e mercadorias que tivessem de alcançar a China. Para atingir o Sinkiang, os suprimentos britânicos e  americanos teriam que ser despachados pára os congestionados portos russos e, dai, através de milhares de quilômetros pelas sobrecarregadas e obsoletas estradas de ferro soviéticas, até a fronteira da China. Depois disso, as mercadorias teriam que ser transferidas para velhos caminhões ou para o lombo de animais de carga e iniciar uma lenta m jornada até as frentes de operação de guerra da China. As trilhas das caravanas, através do Tibete, ofereciam caminho muito mais curto, mas acessível somente aos animais, a por causa dos íngremes aclives e declives n nos passos  das montanhas. A viagem por ai seria, porém, extremamente lenta e por ela não seria possível o transporte de equipamento pesado.

A queda de Lashio, por tudo isso, representou um golpe fatal para os chineses, do a qual não poderiam recobrar-se não fora o e estabelecimento de uma rota aérea americana através das cordilheiras, a "Operação s Corcova" (Hump), em substituição à Estrada da Birmânia, cuja perda significou sério revés para a causa aliada. Com a queda de Lashio, as forças aliadas se retraíram, rapidamente, na direção da China. Durante essa retirada, o AVG desempenhou importante papel por vários motivos: seus aviões, decolando de bases situadas na China, constituíram-se no único meio à disposição das forças aliadas para obterem informações e fazerem reconhecimento; destruíram a seção setentrional da Estrada da Birmânia e todas as pontes sobre o rio Salween, impedindo, dessa forma - ou pelo menos retardando _ qualquer progressão japonesa que, iniciada na Birmânia, se orientasse para a província de Yunnan.

As atividades do AVG, após a queda de Toungoo (24 de março de 1942) e Magwe (27 de março), limitaram-se a missões de patrulha e reconhecimento. Essa mudança operativa para missões de patrulha foi ditada pela escassez de material e de combustível, embora os pilotos do AVG detestassem realizar tais missões, por considerá-las extremamente perigosas e infrutíferas, além de grande desperdício de recursos preciosos. Em abril de 1942, após a evacuação de todas as bases na Birmânia e dispondo de menos de 40 aviões em condição de vôo, o AVG dificilmente poderia manter um programa regular de operações defensivas e ofensivas. Além do mais, por não dispor sequer de um só avião de bombardeio, as ações ofensivas às bases inimigas situadas na Tailândia ou no território chinês ocupado eram de valor reduzido, e dificilmente poderiam obstar a progressão japonesa na Birmânia. Nos intervalos entre ações ofensivas e defensivas, principalmente durante os meses de março e abril de 1942, os pilotos do AVG eram mandados realizar operações de patrulha e reconhecimento.

Em maio, quando a retirada das forças aliadas na direção do território chinês ganhou novo alento, o AVG voltou às atividades de combate. O retraimento das forças aliadas para o território chinês tornou necessária a destruição de todas as bases e suprimentos ainda existentes na Birmânia; além disso, para impedir que os japoneses atravessassem o Salween, todas as pontes, estradas e caminhos que demandavam aquele curso de água tiveram de ser destruídos, simultaneamente com a efetivação de ataques constantes às concentrações ou às tropas inimigas em movimento. Para levar a cabo essas tarefas foi preciso fazer-se o máximo uso do limitado número de aviões ainda em condição de voar.

P-40N chinês em 1943.

O famoso P-40 a serviço dos chineses

Para aproveitar-se tanto quanto possível os aviões disponíveis e minimizar a perda de equipamento, as unidades do AVG foram distribuídas por várias bases construídas em território chinês. Com esse expediente, os ataques contra os japoneses passaram a ser desfechados de bases localizadas em pontos diferentes e, para confundir o inimigo, os aviões jamais regressavam à base da qual haviam partido. Tal manobra objetivava dois fins: primeiro, tontear os japoneses, pela total mobilidade dos grupos do AVG e, segundo e mais importante ainda, fazer'com que o efetivo dos americanos fosse superestimado. Tivessem os japoneses tomado ciência das possibilidades verdadeiras do AVG, mostrar-se-iam animados a desfechar golpes mais ousados ainda, no curso final da campanha da Birmânia. As tentativas feitas para a obtenção de novos aviões para o AVG, durante a fase final da campanha da Birmânia, foram infrutíferas. 

Dado que o AVG não era, formalmente, parte integrante das forças armadas norte-americanas, não conseguia obter prioridade alguma para a aquisição de suprimentos e equipamento nos Estados Unidos. As súplicas de Chennault no sentido de que se transferissem para o seu comando, em Kunming, os pilotos e aviões da 10a Força Aérea, acantonada na Índia, eram, pela mesma razão, também negadas. Apenas diante da iminência do colapso aliado na Birmânia foi-lhe prometido auxilio, mas, mesmo assim, só parte do equipamento prometido lhe foi entregue, e somente após a conquista da Birmânia pêlos japoneses.

À medida que a campanha da Birmânia se aproximava do fim, o moral do pessoal do AVG desceu a nível muito baixo. A tensão acumulada por um sem-número de missões de combate, a falta de equipamento adequado, aliado a um sentimento de insegurança, de isolamento e de frustração, culminaram em uma crise durante a qual vinte e quatro pilotos do AVG apresentaram pedidos de demissão, isto em fins de abril de 1942. A crise foi contornada por Chennault, que conseguiu persuadir vinte deles a retirar seus pedidos ou, então, enfrentar a acusação de deserção.

Todavia, as amargas experiências passadas pêlos pilotos do AVG na Birmânia não foram de todo esquecidas, e quando, por fim, o Grupo de Voluntários foi incorporado à Força Aérea'do Exército, em julho do mesmo ano, poucos dos seus participantes iniciais se mostraram desejosos de continuar a carreira na China, como membros da então recém-formada Força Aerotática da China, comandada por Chennault.

Mas, apesar da escassez de suprimentos e de equipamento, do moral em declínio e da situação desesperadora dos Aliados na Birmânia, os homens do A VG cumpriram suas missões bravamente e com a eficiência que as circunstâncias lhes permitiam, durante as últimas semanas de campanha. A 1° de maio de 1942, quando os japoneses deram partida à sua manobra para cruzar o rio Salween e penetrar em território chinês, os pilotos do A VG receberam a missão de destruir todas as pontes e todas as estradas de acesso à província de Yunnan. A destruição dessas vias iria custar a vida de centenas, se não de milhares, de civis que fugiam ante a aproximação dos japoneses; mas Chiang Kai-shek não teve outra alternativa senão emitir a ordem correspondente. E a 7 de maio Chennault recebeu a seguinte mensagem de Chungking: "O Generalíssimo ordena o envio de todos os aviões disponíveis do A VG para destruir veículos e transportes fluviais entre o Salween e a cidade de Lung-ling. Notifique-se o AVG que o Generalíssimo tem em alta estima sua lealdade e conta com seus esforços que, particularmente nessa conjuntura, devem ser redobrados".

O ataque, determinado por Chiang Kai-shek, às forças japonesas que avançavam na direção de Yunnan foi bem sucedido. O avanço das forças inimigas, que se processava rapidamente, na direção do norte, somado ao colapso de toda a resistência a esse avanço, em fins de abril, levou muitos observadores e analistas à conclusão de que não se passaria muito tempo até que os japoneses chegassem a Kunming. No entanto, o inimigo jamais conseguiu atravessar o rio Salween e esse fato foi por muitos atribuído à eficiência com que o A VG investiu contra a força de vanguarda do avanço japonês, a 56' divisão do 15° Exército Imperial. Outros, inclusive oficiais do Estado-Maior do 15° Exército, sustentaram, posteriormente, que não havia sido elaborado plano algum relativo à invasão da província de Yunnan. Se foi esse ou não o caso, o fato é que os ataques do AVG às unidades inimigas acantonadas nas proximidades do Salween foram extremamente bem sucedidos.

As chuvas causadas pela estação das monções protegeram os japoneses dos ataques do AVG durante grande parte do mês de maio, mas logo após a cessação dos temporais, a 25 de maio, incursões diárias foram feitas contra as instalações inimigas ao sul do Salween. Todas as vias de comunicação existentes entre a Birmânia e a China ficaram temporariamente interrompidas, tendo as tropas japonesas sofrido milhares de baixas e perdido considerável parte do equipamento.

Fazendo-se breve retrospecto, pode-se considerar excepcional a atividade desenvolvida pelo AVG durante a campanha da Birmânia. Entre 23 de dezembro de 1941 e 1° de julho de 1942, os pilotos americanos destruíram pelo menos 230 aviões japoneses e, provavelmente, danificaram outros 300. Nos dados da CAMCO estão registradas 296 aeronaves japonesas destruídas (ar ou terra). Estudos apurados realizados em 1986, nos arquivos de Chennault confirmaram que 230 aviões japoneses foram abatidos em combates ar-ar pelos Tigres Voadores. (Veja Ases e Quadro de Vitórias)

Além disso, as surtidas efetuadas ao longo da costa chinesa ocupada pêlos japoneses custaram ao inimigo a perda de milhares de vidas e incalculável quantidade de material e equipamento. Levando-se em conta os recursos postos à disposição do AVG, tais resultados não deixaram de ser alentadores. Com uma frota de não mais de 55 aviões em condição de vôo em dado momento, e somente 79 pilotos treinados de acordo com os manuais de Chennault, os voluntários americanos levaram a cabo um trabalho hercúleo, conquistando por isso a afeição do ' povo chinês, que os apelidou de "Tigres Voadores" e, também, a admiração do povo norte-americano, que acompanhava suas proezas com inusitado orgulho, numa oportunidade em que as vitórias conseguidas pelo AVG eram os únicos lauréis obtidos pêlos americanos na guerra que então se travava.

Por outro lado, é importante salientar, como não o fizeram muitos biógrafos de Chennault e historiadores do AVG, que este não poderia, por sua ação isolada, por mais brava que pudesse ter sido, impedir a ocupação da Birmânia pêlos nipônicos. Tendo em vista a inadequada preparação feita para a defesa da Birmânia, é duvidoso que até mesmo uma força duas vezes superior à do AVG pudesse ter obtido qualquer sucesso e impedir a vitória japonesa na região. De qualquer maneira, os sonhos da criação de um segundo e terceiro grupo de voluntários jamais se materializaram e, sozinhos, como se viram, os voluntários norte-americanos jamais poderiam ter feito parar os japoneses.

Apesar do extinção dos AVG os americanos e Chennault não saíram da China. Chennault com um pequeno núcleo do AVG criou a Força Aerotática da China - FAC, subordinada a 10ª Força Aérea dos EUA, e depois a FAC se transformou na 14ª Força Aérea dos EUA sob o comando de Chennault. Em 1944 tropas americanas iriam combater na Birmânia, eram os Merrill's Marauders - Os Incursores de Merrill que lutariam ombro-a-ombro com os lendários Chindits,mas essa é outra história.

Americanos no solo: soldados dos Marauders preparam uma emboscada contra uma patrulha japonesa na Birmânia em 1944

 

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